Em Busca da Imortalidade III
- GRESG
- 6 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de nov. de 2020
E ESTA MORTE QUE NÃO NOS DEIXA!
Amâncio agonizava. Em seu leito de morte as nuvens se avolumavam. Em meio a elas, imagens, muitas imagens. Sua juventude, sua infância, adolescência, maturidade... E se alternavam de modo a quase perturbar o antigo guerreiro que, de punhos firmes, enfileirava obstáculos e os vencia.
– Não quero morrer. Sussurrava ele.
Mas, o momento dizia que sim, era chegado seu momento. Numa daquelas imagens Amâncio mirou a figura em grandeza de Da. Divina. Era menina moça. De olhos espertos, grandes e admiravelmente azuis. Ela sorria para ele na quase infância dos seus treze anos. Amâncio a observava. Quanta candura! Quanta suavidade!
– Venha. Disse-lhe ela.
Meio que atordoado pelos primeiros alvores da juventude Amâncio caminhou quase trôpego, quase andarilho em busca do amor. E ele, o amor, ali estava bem à sua frente, de mãos estendidas e após, mãos entrelaçadas. Onde está Da. Divina? Ela me deixou quando eu ainda não havia me firmado na vida. Ela morreu ao dar à luz nosso filhinho que, tempos depois, também morreu.
Quanta morte! Quanta infelicidade! Quanta desventura. E agora ele também se deparava com a morte.
– Cadê ela?
– Quem? Perguntou alguém dentro de si.
– A morte! Quero falar com ela
– Falar o quê homem de Deus? Morre e fica quieto. Morre sem reclamar.
De repente em meio às nuvens surgiu outra imagem. Era agora a imagem de uma aurora. Amâncio as admirava muito. Levantava-se bem cedo apenas para apreciar as auroras; o fim da noite, o nascimento do novo dia. À tardezinha também ia observar o fim do dia e o nascimento da noite. Fim, renascimento. Eis a dança dos opostos que, nos seus perfeitos movimentos, consente que a Terra avance rumo aos seus destinos.
– Ei Amâncio! Gritou alguém. Era o menino Amâncio, bem novo, que soltava pipas e corria de pés no chão em busca da goiaba, da jabuticaba, do pinhão, do figo e também da bola que insistia em não querer seu contato. Mariano, sim, deste a bola gostava e todos os homens e moças gostavam de vê-lo jogar. Amâncio nem no banco ficava. É porque para Amâncio a vida reserva outros deveres.
Viu também a figura esguia de Vitalina. Ela se aproximou dele no exato momento em que a terra recebia o corpo da sua adorada Da. Divina.
– Estou livre. Se tu quiser posso ajudar a criar o menino!
Mas Amâncio queria apena sua Divina. Divina dama, divina companheira, divina mãe do seu filho Eustáquio que não sobreviveu. E, por eles Amâncio viveu e cumpriu seu mandato de encarnado com honra e dignidade. Prazer? Não sabemos. Ele não nos confessou este detalhe.
– Ei Amâncio...
– Quem me chama?
– Sou eu, a Divina!
Amâncio abriu os olhos e os deixou bem abertos e fixou naquela imagem divina da sua Divina companheira.
– Estou sonhando? Não me torture mais com tanta saudade!
– Não Amâncio. Acabou a saudade. Venha. Você me esperou, eu esperei você e agora o tempo nos reuniu.
– E Eustáquio? Perguntou Amâncio
– Já se foi. É quase homem feito. Foi preciso vir para retornar mais robusto. Deus o quer muito forte e, antes, seria tão fraco! A morte guarda esses segredos, Amâncio. Disse Da,Divina de olhos azuis bem fixos em Amâncio que apenas queria se soltar para estar com ela.
Amâncio sorriu e disse:
– Que seja sempre feita a vontade do Divino Criador! Fechou os olhos, abraçou sua Divina e se misturou com as nuvens e com ela se foi. O médico chegou e deu a sentença fatal e inóspita: – Está morto! Esta morte que não nos deixa. Completou cabisbaixo, quase vencido. É que o médico não assistiu o que Amâncio viu, viverá e retornará com sua divina companheira. Eis a divinal dança da vida com a vida.
“O que existiu já não é, e o que não existiu começou a ser, e assim todo ciclo de movimento se reinicia. Apenas os corpos em que habita o eterno: imperecível, incompreensível Eu, perecem”. Extraído do livro: O Herói de Mil Faces – Joseph Campbell
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